Entrei na casa da minha avó e tive vontade de chorar. Dessa vez ela não abriu a porta como habitualmente faz e pediu que Maria, sua dama de companhia, fosse me atender. Do canto da sala, sentada no sofá ela se embananava em meio à pedaços de lã e pedia perdão por não ter levantado e me recebido. “É que eu estava no último pontinho. Veja você, Marcellinha, estou fazendo uma manta para o bisneto”. Não era TPM, ovulação, nem nada. Nessa frase, pedi licença e fui ao banheiro. Desabei.
Sempre soube que o – tão esperado – bisneto não viria de mim. Devido à grande diferença de idade entre eu e meus três primos, se criasse barriga antes de qualquer um deles, seria um baita susto. Sempre fui a “Marcellinha”, netinha, caçulinha inconseqüente, mesmo depois de ter saído de casa e provado que sei andar de salto. Mas mesmo fora de mira e longe de qualquer pressão de casamento e gravidez, fui eu a grande confidente de vovó sempre que reclamava: Ah, não. Será que não sai bisneto nessa família? Que demora! Ouvi isso por anos.
Poucos sabem, e também não saio por aí contando tamanha intimidade, mas minha avó paterna é a minha grande paixão. Se eu acreditasse em almas gêmeas, diria que ela foi a minha em vidas passadas. O “S” no punho, que muita gente pergunta e recrimina achando que é homenagem a algum ex-namorado, é dela. Fiz enquanto ela passava umas temporadas no exterior, na casa da minha tia. Vovó é de 1920 e pouco sabe – e importa – sobre tatuagens. Acho mesmo que a enorme que tenho nas costas, ela ainda acredite que desapareça depois de uns banhos. Quando voltou de viagem e mostrei a ela a inicial do seu nome no meu punho, se emocionou. Continuou não entendendo bulhufas de tribais, maoris e borboletas que carrego no corpo, mas sempre que a acompanho em chás do seu grupo de velhinhas , abaixa a manga da minha blusa e diz: Está, vendo, Margarida? Fez pra mim!
Dona Sara criou três filhos, só amou uma vez na vida, mandou duas filhas para Israel, sustentou o filho que ficou no Brasil com o que pode e não pode, casou uma, casou e descasou dois, teve quatro netos – um em cada canto do mundo – e há 60 anos prepara os almoços de sábado religiosamente sem repetir cardápio. Nos seus últimos feitos, tem aprendido a conversar com a filha do Canadá pelo Skype. Mesmo que para isso, eu e meu pai – os únicos que moram na mesma cidade que ela - recebemos ligações aflitas no meio da semana, de Dona Sara reclamando que “essa internet está devagar demais,vocês precisam aqui ver isso logo, mexer nos fios, ligar pro rapaz que conserta! Fiz caldo de galinha, se quiserem vir tomar. É bom que dão uma olhadinha no meu laptoy (laptop)”.
O motivo real do meu choro eu ainda não sei explicar. Nem a minha analista soube. Acho que me bateu uma grande interrogação do que vem depois. De como seria possível respirar feliz não sentindo aquele cheiro de perfume doce que gruda no meu pescoço por horas. De como o mundo fica mais bonito e sincero com ela fazendo parte dele.
Mas que grande besteira pensar nisso agora. Mudamos de assunto, porque hoje é dia de lasanha e eu não posso me atrasar ou fico sem a sobremesa. Fui.
que lindo.
ResponderExcluirMarcella, primeira vez que leio seu blog, e achei lindo os 3 posts que já li.
ResponderExcluirSó pra dar um pitaco... Você deve ter chorado por não saber se quando chegar a sua vez de dar um bistneto pra sua vovó, se ela ainda estará por aqui para tricotar para ele.
Linda sua relação com ela!