segunda-feira, 2 de janeiro de 2012

Entre nós


Moramos em um apartamento pequeno de dois quartos. Bem localizado, perto de padaria, Mc Donald's e salão de beleza. Não precisamos de mais. Ao lado da minúscula sala, uma varanda que cabe eu e você abraçados em dias de lua cheia. Aquele seu enfeite bobo de papagaio penduramos perto de dois arranjos de flores murchas que me esqueci completamente de regar. Você insistiu que as flores fossem de plástico, mas eu não dei a mínima. Até que perto do tanto que é feio o seu papagaio de mentira, murchas e descoloridas, ficaram bonitas. Nosso móvel da sala tem um monte de porta-retrato. Aqueles que herdamos do seu antigo apartamento ficaram feios depois de serem usados para as fotos que eram dela. Comprei vários. E todos novos. Nosso banheiro é todo branco, com toalhas azul da cor do mar. Bem como você pediu, nosso apartamento parece um pouco uma casa de praia. Sua prancha de surf que tem cheiro de mar fica ao lado da minha prancha de surf que nunca tive coragem de usar. Nos finais de semana que pegamos a estrada e vamos para o litoral, acho bonito só ficar na areia vendo você surfar, mesmo você insistindo em colocar a prancha roxa no porta-malas do carro. Vejo daqui minhas blusas jogadas na cama. Você odeia isso, principalmente quando as coloco ao lado das suas roupas de trabalho limpas. Mas é que no fundo, nunca te contei que usá-las depois com um pouco do cheiro do seu perfume é muito melhor. Também fica bravo que use suas blusas para dormir. No fundo, as uso pelo mesmo motivo. Seu cheiro natural é muito mais gostoso que qualquer cheiro que nossa empregada que vem duas vezes por semana usa de amaciante. Na geladeira, todos as suas comidas lights brigam com os meus congelados e infinitos potes daquela mostarda que eu gosto. Você nunca admitiu, mas passou a ter dores de estômago de tanto colocar da minha mostarda no prato. Também nunca admiti, mas como escondido uma torrada com aquele seu queijo light, nos dias que você sai mais cedo para o consultório e reajusta o despertador para que eu não perca o horário. Nosso vizinho é desembargador e sempre reclama da altura que colocamos B.B King para tocar quando chegamos cansados do trabalho. Não temos dinheiro sobrando, porque gastamos toda a sobra com viagens. Não nos cansamos de fazer e refazer malas. Aliás, essa é uma das únicas coisas que você diz que eu sei fazer extremamente bem, apesar de desorganizada. Mas é que sair com você pelo mundo é uma das únicas coisas que me fazem extremamente feliz. Daí meu desempenho em sempre saber escolher nossas roupas, de modo que a mala, nossas pranchas, seu violão e dois travesseiros caibam no porta-malas. Nossa vida é simples, nosso futuro incerto e nosso amor uma música bonita de Jorge. Daqui, sentada no sofá com as pernas na almofada, escrevo com o laptop no colo. Te vejo de cantinho. De óculos, sem camisa lendo um livro na nossa cama. Você acabou de dizer "que não sabe o que eu tanto escrevo que aperto os lábios como se estivesse preocupada com algo". Escrevo sobre nós dois e as preocupação de nunca ter amado tanto a ponto de apertar os lábios enquanto escrevo. Sabe o que que é, meu amor? Nós. E mais nada.

Texto antigo. Old but gold. Me traz boas sensações. Feliz Ano Novo!

4 comentários:

  1. Eu sempre fico imaginando para quem será que você escreve os seus textos... Homens de sorte. Parabéns por todo o seu trabalho!

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  2. Lindo texto Marcella... Parabéns! Fiquei realmente encantado com a bela das imagens que vc descreveu! ;)

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  3. É de verdade? Texto lindo! Curtindo seu blog cada vez mais!

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