Bruna Luiza
Fernanda Castello Branco
Mas antes deixe que o poliamor se apresente. O poliamor é um tipo de relação em que cada pessoa tem a liberdade de manter mais do que um relacionamento ao mesmo tempo. Não segue a monogamia como modelo de felicidade, o que não implica, porém, a promiscuidade. Não se trata de procurar obsessivamente novas relações pelo fato de ter essa possibilidade sempre em aberto, mas sim de viver naturalmente tendo essa liberdade em mente.
Tal como o próprio nome indica, poliamor significa muitos amores, ou seja, a possibilidade de amar mais do que uma pessoa ao mesmo tempo. Difere de outras formas de não-monogamia pelo fato de aceitar a afetividade nas relações extra-conjugais. Chamar o que se sente pelo outro de amor, paixão, atração ou carinho, é apenas uma questão de terminologia. A idéia principal é admitir as variedades de sentimentos que se desenvolvem em relação à pessoas distintas e que vão além da mera relação sexual.
De acordo com Júlia (o nome foi alterado a pedido da entrevistada), casada há 10 anos e adepta do relacionamento aberto, a principal regra para conseguir levar tudo isso adiante é sempre entender que o outro quer estar com outras pessoas, mas que isso não muda em nada a relação e o sentimento entre eles. “Acho que essa é a base para o relacionamento dar certo, acreditar nos sentimentos do seu companheiro, conseguir entender que sentir atração por outras pessoas não quer dizer que o amor diminuiu, é querer emoções diferentes. Já tivemos muitas regras que acabaram não sendo levadas adiante, mas a principal e praticamente única é respeitar o sentimento do outro”, ressalta.
O novo conceito de amar pressupõe uma total honestidade no seio da relação. Tem o pressuposto de que todas as pessoas envolvidas estão cientes da situação e se sentem confortáveis com ela. Não se trata de enganar nem magoar ninguém, afinal - como já diz o ditado - o combinado não sai caro. E como tudo é conversado, esclarecido e combinado, não existe traição. A traição consta na quebra da regra, quando não se é honesto com o parceiro. “Algumas vezes quebramos as regras também, o que poderia ser entendido como uma traição, mas como não era nada sério criamos o vale-tíquete traição, quando um quebra a regra o outro tem direito de quebrar também”, afirma Júlia. “Uma vez ele ficou com uma amiga em uma época que tínhamos combinado não ficarmos com amigas. Eu não senti nem um pouco de ciúmes e isso não foi motivo de briga, mas para não deixar barato, afinal uma regra foi quebrada, perguntei pra ele qual punição ele se daria e ele disse que ficaria um ano sem ficar com ninguém”, lembra.
Ao contrário da monogamia romântica, tal movimento acredita que é mais feliz, saudável e natural que as pessoas amem e sejam amadas por mais de uma pessoa ao mesmo tempo. Segundo Júlia seria muito chato ficar casada por tempo indeterminado sem ficar com outras pessoas. “Ficar com outras pessoas é algo que nos faz bem, nos deixa alegres e também confiantes, no sentido de saber que somos capazes de gostar de outras pessoas, de ter prazer com outras pessoas, de conquistar outras pessoas. Então se estamos juntos é porque nos gostamos, nos damos bem, e não por não ter conhecido outras possibilidades”, afirma Júlia.
Diferentemente do amor livre, este tipo de relacionamento dá mais ênfase à amizade e ao companheirismo, e não somente ou necessariamente ao sexo – como no swing. Assim, os adeptos do poliamor defendem a possibilidade de envolvimentos responsáveis, profundos e até mesmo duradouros com dois ou mais parceiros, simultaneamente.
Foi na tentativa de conseguir esse ideal de relação que Rafael S. e Ana M. (o nome foi alterado a pedido da entrevistada) tentaram um namoro à três. Eles, que namoram há oito anos e estão noivos, resolveram primeiro tentar o famoso ménage à trois. Ana apresentou uma colega de faculdade para Rafael, Luma, ele gostou dela, eles fizeram a proposta e Luma topou. Foram para o motel. “Meu cabelo nunca ficou tão emaranhado quanto naquela noite”, ilustra Ana. “Era pra ter sido só um ménage, assim, sem compromisso. Mas foi tão divertido que a gente repetiu, e repetiu, e repetiu. Quando vimos, assumimos um namoro”, afirma.
O que aconteceu? O namoro durou dois meses, mas não foi para frente. Rafael acredita que em primeiro lugar há alguns problemas em relações com três participantes, seja qual for o tipo da relação, pois quando um interage com o outro, um terceiro sempre acaba excluído. Ana acha que Luma era, na verdade, heterossexual e que por isso só queria ficar com Rafael. Ela teve certeza quando seu noivo contou que um dia Luma disse que só estava topando isso por causa dele.
Para Ana tem que ser muito forte pra ver "sua" pessoa com outro alguém. “Depois de oito anos juntos é claro que o Rafael ficava muito mais animado com a Luma do que comigo. É chato quando você não seduz mais o seu namorado, enquanto que com outra pessoa bastava ele olhar pra querer sexo”, confessa.
Se Luma tinha poucas tendências bissexuais a relação fica mesmo muito limitada. Isso porque a relação a três pressupõe ao menos duas pessoas do mesmo sexo na relação. Por exemplo, um casal heterossexual pode escolher uma mulher ou um homem, mas necessariamente terá algum gênero repetido. O relacionamento poligâmico está atrelado à homo ou à bissexualidade e essa pode ser a explicação para tanto tabu.
Segundo a psicanalista e escritora carioca, Regina Navarro Lins, o amor romântico, com contrato de exclusividade, está sendo aos poucos substituído por uma união mais baseada no respeito e companheirismo. Segundo ela, o contrato do casamento-fusão vai contra à tendência social de busca pela individualidade e potencialidades íntimas. Neste contexto, os valores tradicionais de relacionamento não estão dando mais respostas satisfatórias e, com isso, se abre espaço para descobrirmos uma nova forma de viver. "No futuro próximo, cada vez mais pessoas vão preferir se relacionar com várias outras a se fechar numa relação a dois", disse a psicanalista em entrevista recente para uma revista de comportamento.
Mas ainda não é bem assim, o preconceito existe. Segundo Rafael, quando sua mãe descobriu da novidade no relacionamento do filho ela ficou absolutamente chocada. Disse que era a decadência do respeito familiar e chegou a comparar o namoro de três com pedofilia. “Achei bizarra a comparação. Parece que há uma falta de parâmetro entre as coisas ‘moralmente condenáveis’, de forma que não haja distinção alguma entre os ‘fatos extraordinários’”, conta.
Mas ao que se deve a decadência do casamento tradicional e seus valores? Segundo Regina as uniões duram cada vez menos porque o amor passou a fazer parte delas. Quando esse sentimento não era considerado - modelo que perdurou por milhares de anos - as expectativas eram outras. As principais: o marido ser provedor e respeitador e a mulher dona de casa prendada e respeitável. Com muita sorte, desenvolvia-se estima pelo cônjuge. Quando o amor entrou no casamento para valer, no século XX, as expectativas mudaram, passando a abranger realização afetiva e prazer sexual. “Com isso, o nível de frustração das pessoas aumentou”, afirma.
Regina ainda afirmou que nota sinais contundentes de que essa perspectiva está se alargando. Contou que atende muitos casais com filhos pequenos que nos fins de semana freqüentam casas de swing, onde transam com desconhecidos. “Quando um homem iria levar a própria esposa para transar com outro cara?”, pergunta.
O swing
A prática do swing também pode ser considerada uma nova forma de se relacionar dos tempos modernos. Existem dezenas de casas espalhadas pelo Brasil, onde, o objetivo principal é proporcionar a troca de casais e experiências sexuais entre eles.
Em Belo Horizonte, há 8 anos, a Swing Clube BH é famosa no cenário de casas próprias para tal prática. A casa fica na orla da lagoa da Pampulha e possui ao todo quatro andares recheados de cômodos. Ao ser recepcionado, o cliente é revistado e em algumas noites, é proibida a entrada de homens solteiros. Apesar de transparecer um ambiente sem regras, o dono da casa deixa claro que há um limite de homens solteiros. Na festa "Balada", por exemplo, é de somente 9, onde o objetivo principal da noite é que os casais tenham a oportunidade de encontrar uma terceira pessoa para "apimentar" o relacionamento.
No primeiro andar, um lounge onde os casais se sentam e de maneira tranqüila trocam olhares, escolhem e são escolhidos. Guilherme Andrade, 25 anos e freqüentador assíduo da casa, explica: "O olhar aqui é tudo. As pessoas se descobrem assim. Se um casal está trocando muitos olhares penetrantes com o outro, é o primeiro passo para uma conversa mais íntima, ou para ir direto ao ponto. Muitos têm relações sexuais na própria casa, mas há também os casais que saem em busca de lugares mais privados”, explica.
Nos outros três andares, camas de grupos, aquários (para a prática do vouyerismo), cabines fechadas e o famoso "darkroom", onde as pessoas se tocam sem se verem. Dentre as regras da casa de swing está a de não poder circular pelado. No meio da noite, se inicia um show de strip tease na boate do primeiro andar. Mulheres costumam subir na bancada do bar e tirarem a parte de cima das roupas. É nessa hora que os casais se soltam e se formam, para subir para os três andares acima, onde tudo acontece.
Casados há 20 anos, Andrea e Paolo praticam o swing há 10 anos. Andrea contou que foi com Paolo que perdeu sua virgindade e que, depois que os filhos nasceram, o swing veio como uma forma de não deixar a relação cair no comodismo. O casal tem dois filhos de 10 e 12 anos e viajam para fora de Minas Gerais para o swing e conhecem casas espalhadas por todo o país. "Comecei com a curiosidade de fazer sexo com uma mulher. Gostei, o Paolo não se importou e desde então fazemos o swing ao menos uma vez por semana”, conta Andrea com entusiasmo. Quando questionada o porquê de começar a fazer o swing depois de tantos anos de casamento, ela explica que sempre conversou com homens em salas de bate-papo online e Paolo não se importava e despertou nele uma vontade de participar. “Conheci uma mulher pela internet e me interessei. Ela foi a minha primeira experiência, em São Paulo, e desde então já conhecemos vários casais e mantemos contato com alguns até hoje”, conta Andrea.
Muitos confundem a prática do swing com a falta de amor nos relacionamentos. O casal Andréa e Paolo e muitos outros que freqüentam a casa de swing na Pampulha, mostram que essa perspectiva nem sempre é verdadeira. “Observar o seu parceiro tendo relações sexuais com outra pessoa não implica falta de amor. Pelo contrário, mostra segurança, coisa que temos de sobra no nosso casamento”, afirma Paolo.
Apesar do amor existir entre o casal, ele não pode existir na prática de swing, com os outros casais envolvidos e é nisso que o swing se difere do poliamor.
Uma questão de liberdade
Como já vimos, é preciso muita segurança, amor, companheirismo, sinceridade e respeito para que esses desdobramentos se tornem possíveis na relação. Com tantos adjetivos positivos, aonde é que foi parar os clássicos ciúme, posse, dor de cotovelo e dor de corno?
Nós fomos acostumados a acreditar que o ciúme faz parte da natureza humana e do amor. Há quem fique arrasado se o parceiro não sente ciúme, pois entende que não é amado. Os poliamoristas dizem que o ciúme nasce do medo da perda. No caso deles, isso não está em jogo, porque é permitido amar mais de uma pessoa sem preterir nenhuma.
Segundo Regina Navarro a preocupação com a fidelidade é uma paranóia coletiva, uma doença. “Para viver bem precisamos de coragem para romper com valores equivocados que nos foram transmitidos. As pessoas sofrem muito e desnecessariamente por causa de suas fantasias, desejos, medos, culpas, vergonha. Homens e mulheres só têm de se preocupar em responder a duas perguntas: sinto-me amado(a)? Sinto-me desejado(a)? Se a resposta for positiva, o que o outro faz quando não está ao meu lado não me diz respeito. Mesmo porque é uma ilusão achar que controlamos alguém”, disse.