sábado, 10 de dezembro de 2011

Meu sofrimento de luxo


Já faz vinte dias, mas não consigo parar de pensar em Taís. Vez ou outra congelo meu olhar em qualquer cena desimportante e lembro da moça. E meus olhos involuntariamente se enchem de lágrimas. Taís me marcou.
A conheci no avião. Eu, muito mau humorada, depois de agüentar na primeira escala de vôo, um bêbado panicado que havia tomado várias dozes de whisky para conseguir controlar seu medo de altura. Ela, carregando uma mochila rosa choque, um Ipod roxo e um sorriso sem-graça. Pediu licença e sentou no assento da janela. Agradeci a Deus por nessa próxima escala, não ser um obeso mórbido, uma senhora tagarela ou outro velho bêbado. Era só uma mocinha tranqüila, sem muita maquiagem no rosto, que não se importaria se eu fingisse de muda e fossemos até Recife como duas estátuas. Muito bem.
Eu lia um livro que leva o titulo “Por Falar em Amor”, da Marina Colassanti. Dez minutos de vôo, um cutucão e... “Moça, posso te fazer uma pergunta? Se você perdesse tudo da sua vida, ainda assim, você acreditaria no amor?”
Pausa.
Só podia ser alguma pegadinha. Abobada, procurei as câmeras. Custava aquela menina ir calada, lendo a revistinha de bordo? Custava ela substituir essa pergunta atômica que acabara de jogar no meu colo por algo mais simples como “Você poderia me dar licença para eu ir ao banheiro?”.
E eu não tinha ouvido coisa. Ela falou comigo, e me olhava, esperando uma resposta. Improvisei: “Oi? Ué... Amor, amor mesmo? Acho que não. Será? Ah, possivelmente sim. Não sei. Me desculpe, estou cansada e não sei responder”. Estávamos só decolando e ela começou a chorar igual criança. Se tirassem uma foto do momento, parecíamos duas amigas de infância. Ela me abraçando e molhando os meus ombros. E eu ali, super desajeitada, consolando uma estranha, ainda sem entender o que fazia ou poderia fazer. Desconcertada, perguntei o que estava acontecendo, pedi desculpas, mas disse que para ajudá-la precisava entender. E como quem conta o que comeu no almoço ontem, soltou: “Meu nome é Tais, prazer. Que vergonha. Me desculpe por tudo, é a primeira vez que ando de avião e isso me emociona porque meu marido ficaria muito feliz se estivesse comigo. Ele morreu em maio”, e me mostrou no seu celular fotos dos dois juntos no casamento, na lua de mel, na praia, no carnaval de salvador, na formatura da prima. Meu Deus, como aquilo começou a me doer. Era como se sem querer uma voz esganiçada repetisse no meu ouvido “e ela só deve ter uns 20 anos, e ela só deve ter uns 20 anos, e ela só deve ter uns 20 anos”. Engano meu. Ela tinha 19. Casou com 18.
Foi difícil não notar que a barriga de Tais estava um pouco “inchada”. Não ousei perguntar. Se havia alguém ali que ganhou a opção de se intrometer na vida de alguém, era ela na minha. Perdi todos os meus direitos como ser - humano sofrível. Eu era a Cinderella, morava no paraíso e meu mundo era colorido como o dos Ursinhos Carinhos. Ficar calada e escutar era a coisa mais humana que eu poderia fazer.
Nos 90 minutos de vôo, me rendi a ouvir varias historias bonitas do casamento. Ela se emocionava e chorava baixinho, escondendo educadamente a tristeza monstra que tinha no peito. O assento do avião se transformou em um divã. “Você já deve ter notado a minha barriga. Perdi nossa filha faz um mês, e ainda não estou totalmente recuperada. Ela ia nascer saudável, mas a medica que estava de plantão no hospital, não era a minha que acompanhou toda a gravidez. Ela se NEGOU a fazer o parto. Minha bolsa estourou e a criança não suportou esperar. Estou processando o hospital. Olha, nasceu morta, mas tirei uma foto. Maria Clara, olha só”, mostrou. E nessa hora eu chorei. Não deu, pedi arrego. Eu cedi e chorei. Eu quis muito que o avião descesse. Eu senti uma vontade imensa de gritar pra todo mundo o quão ridícula eu era por já ter sofrido por amores que fisicamente existiam na minha vida.
Não foi o destino e muito menos Deus que quis me dar uns belos socos no estômago e a colocou ao meu lado no avião. Como quem diz: Viu, Marcella? Sua sofredora de uma figa! Isso que é sofrer de verdade! Não. Não foi nada disso. Foi só a aeromoça que nos sorteou em qualquer assento, pouco preocupada a que passo andava nossos corações. Acontece. Coincidências da vida.
Vinte dias se passaram e eu continuo pensando o que é isso que as vezes chamo de desamor. Me odeio muito por ser fraca e depositar lágrimas em coisas tão pequenas.
Depois de tudo que ouvi de Taís, de todos arrepios que senti, francamente... “Sofrer” porque o cara não liga, porque o namoro acabou, porque fomos trocadas por loiras mais gostosas, pode até ser sofrimento. Mas não passa de sofrimento de luxo.
Tais levou de mim o abraço mais sincero quando pousamos em Recife. E se eu a visse de novo, em qualquer esquina do mundo, responderia: acho que existe amor sim, Taís. E torço para que você encontre de novo e do mais puro, pelo resto de sua vida.

3 comentários:

  1. Incrível como algumas coincidências parecem planejadas para nos fazer pensar nas nossas atitudes e no valor exagerado que damos a futilidades. Até eu fiquei emocionada lendo. Espero que a Tais realmente encontre o amor.

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  2. A luz da razão pode ser apenas uma coincidencia aleatória, mas não teria ela ela sentado ao seu lado por ser vc alguem que compartilharia a historia dela e de certo modo sua dor? As referencias tornam modificam nossa visão de mundo, quem realmente é pobre, rico, esperto, inteligente, quem realmente sofre, ou paga o que deveria? ha semore uma historia maior ou menor redimensionando nossa maneira de ver o mundo...
    @mariohercilio

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  3. A luz da razão pode ser apenas uma coincidencia aleatória, mas não teria ela ela sentado ao seu lado por ser vc alguem que compartilharia a historia dela e de certo modo sua dor? As referencias tornam modificam nossa visão de mundo, quem realmente é pobre, rico, esperto, inteligente, quem realmente sofre, ou paga o que deveria? ha semore uma historia maior ou menor redimensionando nossa maneira de ver o mundo...
    @mariohercilio

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